segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Epígrafe do fim

As paredes suavam frio. Um choque térmico entre o chegar da noite e o calor de uma tarde inteira sob o sol. Não tinha como suportar aquele ambiente sem ligar o ar condicionado no máximo.  As peças de ferro, soltas e enferrujadas pela força dos anos, batiam e arranhavam como unhas no aço. O barulho era úmido. Gelado.

Ela largou a sacola de roupas no chão, e fez a cama com cuidado. Esticou o lençol e dobrou a pequena colcha para logo se cobrir. Queria proteger mais os olhos do que o próprio corpo. Sabia que algo muito errado acontecera naquele lugar.

Do quarto, a visão era a de um longo corredor. Escuro, habitado apenas pela solidão de uma mariposa voando em círculos.  No final, uma porta de madeira guardava o elevador. Ela fechou os olhos por detrás do lençol, num piscar de tempo suficiente para que duas meninas de vestido sépia aparecessem paradas, fitando a porta do elevador. Imóveis. Os cabelos longos voavam um vento de outro lugar.

Não podia mais esconder dela o que eu sabia. O problema é que não poderia contar tudo. Na verdade, naquela hora, meu medo não me deixaria dizer absolutamente nada. Sabia do acidente. Sabia do coma. Sabia demais.

Segurei sua mão, e ela entendeu o que precisávamos fazer.

Levantamos, e a nossa única arma era aquela lanterna pesada. A bateria descarregada não permitiria iluminar mais nada, mas tinha peso suficiente para ser arremessada. Caminhamos pelo corredor ao lado, nos afastando em silêncio das meninas que ainda fitavam o elevador. Cada passo nos aproximava mais das conversas no quarto ao lado. Pela porta entreaberta, pudemos ver aqueles dois médicos. Um deles desligou o telefone, se apoiou na mesa empoeirada e confidenciou: não teríamos mais chances.

Entendemos finalmente que aquilo era um hospital. Ou um dia fora. As macas quebradas, extintores pelo chão, e o zumbido das luzes em azul.

Precisávamos de uma saída. Uma grade parecia guardar uma antiga saída de incêndio, e resolvemos tentar. Perto dali, uma menina que nos observava em um dos quartos sussurrou perguntando se poderia vir conosco. Logo éramos três. Cúmplices do medo.

Não consigo lembrar como conseguimos chegar ao térreo. Entre a sujeira do saguão de entrada, corpos deitados pelo chão eram as únicas testemunhas de que estávamos vivos. A menina que nos acompanhava foi a primeira a sair do prédio. Tão rápido ela pisou na rua, um grito: “Nãooooooooo!”.

Tudo se passou em uma única noite. Muitos anos depois de tudo. Tempo suficiente para entender que aquele era o lugar onde estivemos logo depois do acidente. O último lugar onde respiramos.

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