terça-feira, 7 de junho de 2011

G3 - 1272 CGH - POA

Comissárias de bordo possuem um dos trabalhos mais sinceros do mercado. Ganham para repetir sempre a mesma farsa. São o próprio tapete vermelho, sempre impecáveis para receber todos os tipos de sapatos. Elas acordam a cada dia em um hotel diferente (mesmo que todos eles sejam iguais), levantam-se e descobrem no vapor do banho o tamanho da saudade que estão de casa. Imaginam recados apaixonados no espelho e desistem de tanta realidade na TV. Colocam o uniforme lindo e desconfortável e voltam a encarar o espelho. É hora de vestir a maquiagem de noite bem dormida e sentir-se indo para uma festa, mesmo que seja cedo da manhã. A maquiagem de uma comissária é carregada por servir também de escudo. Um pouco de sombra esconde a menina e faz nascer a mulher para mais uma jornada.

Neste texto em particular, a personagem de bordo surgiu de uma série de situações que culminaram no fato dela não estar mais a trabalho, e o lugar ao meu lado no avião estar vago. Senti que ela não precisava conversar. Precisava apenas saber que poderia, se quisesse. Isso ficou claro pouco tempo depois, quando ela se encostou de lado na poltrona, virada para mim. Uma daquelas raras situações onde tu sabes que podes confiar na pessoa, mesmo sem saber nada sobre ela. Sorrisos pequenos não sabem mentir.

Mesmo fora de horário de trabalho, mas ainda de uniforme, sabia que estava sendo observada pelos colegas da companhia. Iria desembarcar pela porta de trás, pela escada de serviço, e eu pela frente, como os demais passageiros. A escada de serviço não chegou, e fomos obrigados a seguir juntos até a esteira das malas. Quantas vezes no dia um “erro logístico” não te coloca em situações completamente inesperadas? Quantas vezes tu estás tão introspectivo que perde a chance de perceber isso? Quantas?

Ficamos em silêncio esperando a bagagem, sem saber direito o que estava acontecendo. Não imagino de onde ela estava vindo, ou para onde iria no dia seguinte. Mas pude, naqueles instantes, perceber que ela se sentia em casa. Tirei minha mala da esteira e larguei aos pés. Ela pegou a dela pouco depois, e se aproximou.

- Oi!

- Oi...

Estávamos em casa.



P.S: “Se não houver mulher no teu texto, não é um texto teu, Rodrigo.”, é o que algumas vezes já ouvi. E concordo. Não consigo pensar num texto só meu. Acho solitário demais. Sempre preciso dividir, e é aí que as personagens surgem...